Eu não sei o Volapük, e conseqüentemente eu quero aprendê-lo, tal como quero aprender tudo que não sei, pois essa é minha infindável e impossível missão da vida.
Para quem não sabe do que estou falando, nem faz a mínima idéia, vou dar uma sugestão: é sobre línguas universais, aquelas tentativas de se criar uma língua franca para intercomunicação entre os povos, sem valer-se de alguma já existente língua nacional. Claro que o projeto é bastante grandioso e bonito, mas a realização não é nada fácil, se é que é possível sem anulação das diferenças.
Buscando-se entender o contexto em que surgiram as mais famosas e conhecidas (Esperanto e Volapük), fica-se mais compreensível o que foi a "febre por "línguas universais" que ocorreu ao final do século XIX, em plena Revolução Industrial, com grandes impérios europeus em crise com algumas colônias que já estavam se tornando independentes, quando estava-se ampliando mobilidade da massa humana (graças aos trens e navios, quase que uma "pré-globalização"). Com certeza utilizar a língua inglesa nas relação diplomáticas e comerciais seria algo como assumir a superioridade da Grande Ilha, e utilizar o francês, continuar a louvar as "Luzes do Iluminismo". Restaurar latim e grego não procedia, a não ser dentro dos meios acadêmicos e eclesiásticos.
Então, em 1880, o padre alemão Johann Martin Schleyer publicou seu projeto de língua internacional, Volapük, língua do povo, construída a posteriori, ou seja, a partir do vocabulário anglo-germânico-latino ajustado a um complexo sistema gramatical. A complexidade da sintaxe era uma das características principais dessa língua, que possuía 4 casos e milhares de formas verbais (mais conjugações do que falantes, para ser irônico :o).
Foram realizadas 3 convenções "mundiais" de volapuque, em 1884, 1887 e 1889, a duas primeiras usaram o alemão, mas a última usou apenas volapuque, o que pode ter sido uma das razões principais para o declínio da língua, pois foi após essa convenção que surgiram diversas propostas de alterações e reformas, com a criação de novas (sub)línguas.
Em 1887, outra língua surgiu no mundo, no livreto "Unua Libro", publicada pelo doutor Ludwik Lazarz Zamenhof sob o pseudônimo Doktoro Esperanto. Com uma gramática muito mais simples (apenas 16 regras básicas) e um vocabulário menos arbitrário do que o Volapuk, facilmente o Esperanto tomou o lugar nos congressos e clubes de aficcionados.
As duas Grandes Guerras esfriaram um pouco os ânimos dos divulgadores das línguas universais, ao que, após 1950, restou praticamente apenas o Esperanto no cenário mundial. Outras línguas existem, desde versões simplificadas de línguas latinas (Interlingua) até versões próprias para línguas eslavas (Slovio).
Hoje, basta uma pesquisa na internet para se perceber que não é pequeno o número de falantes do Esperanto (Google "Esperanto" retorna 154.000.000 páginas)
Há também os falantes do Klingon, que é a língua falada pelos Klingons, guerreiros maus de Jornada nas Estrelas. A língua foi "inventada" por Mark Okrand para os filmes e seriados. Apesar de todo o consumismo e fanatismo dos trekies, não há tantos falantes quanto eles alegam, a não ser que estejam considerando outros quadrantes da galáxia, mas isso já é demais.
Já tive contato com diversos professores, todos em regra totalmente avessos ao Esperanto, pois o que os interessava mesmo eram os papéis e velhos livros, as infindáveis discussões teóricas acadêmicas, as línguas mortas, as "regras" gramaticais com suas exceções. E infelizmente o Esperanto é língua falada por vivos, sem exceções na sua gramática, prática e plenamente utilizável.
Argumentos à parte, diziam que o Esperanto era uma invenção de laboratório e que não poderia ser comparada a língua viva alguma, que possui história, falantes naturais, literatura própria. Bem, ao menos alguns aceitavam que poderia ser uma 2ª língua. Mas depois de mais de 100, acho que dizer que não possui história é um pouco complicado... só porque a língua não "evolui" como as demais, isso não implica em dizer que estagnou, pois hoje o Esperanto tem vocabulário suficiente para a globalização, tal como qualquer outra língua (vide que em português brasileiro dizemos "mouse" e em Portugal "rato"). Literatura já tem também. Falantes de nascença... é, realmente, falta isso.
Com muito desgosto, tive que discutir tudo isso com alguns velhos professores, unicamente porque propus alguma comparação entre formas de sintaxe e ordem de palavras. Eu nem sou defensor da idéia de língua universal, que concordo, não é nem nunca será o Esperanto, nem o inglês, nem língua alguma, enquanto houver diferenças sociais e culturais tão grandes quanto às que há espalhadas pelo globo, e ainda bem que é assim, e espero que a globalização não acabe com isso.
Para quem leu até aqui rindo e pensado, "oras bolas, vá estudar inglês", digo que atualmente o inglês é famoso por aqui, neste lado ocidental do planeta. Não tenho dúvida de que na Ásia deve haver outras línguas regionais mais utilizadas, ou mesmo na Europa do Leste, por exemplo, russo deve ser mais comum. E considerando o aspecto histórico, creio que antes de 1900 a língua francesa era mais bem cotada, ou talvez em 1600, a mistura português-castelhano graças à exploração colonial. Antes do levante muculmano, talvez o árabe não fosse tão comum no Oriente e norte da África. Latim e Grego foram bem disseminados nos tempos desses impérios.
Sobre "línguas artificiais artísticas", há também vasto material sobre aquelas criadas por J.R.R. Tolkien (em especial as línguas da Terra Média, dos elfos: Sindarin, Quenya), só para citar algumas. (Vide pesquisa Google Tolkein Sindarin Quenya)
Por fim, termino com um poema de Carlos Drummond de Andrade.
Poema da necessidade
É preciso casar João,
é preciso suportar, Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.
É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.