quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Aparência e meu jeito manso de ser - G. Missali | Revista Offline, n°9

Não produzo, apenas reproduzo. Compro uma meia dúzia de livros de citações e vomito por aí máximas, aforismos, pérolas, enfim, chavões que fazem as pessoas me verem como um ser culto, distinto, sábio, que domina as palavras. Acho que é por esse motivo que o preço dessas obras está em ascensão nos últimos tempo. Nota-se um quê de glamourização quando da reprodução maquinal de citações famosas. To be or not to be? Há um fetichismo canhestro no ambiente. Tudo soa por demais artificial, postiço, corega tabs (que me desculpem os desdentados).
Intelectual, eu? Mera ilusão... Se soubessem como é simples andar de salto na passarela fashion week cultural. Basta "dar um google" e sair recitando frases desconexas, citações dum Zé Mané qualquer, que seu público-marionete o enxergará como a encarnação de Oscar Wilde. Para provocar melhor impressão, experimentem misturar, isto é, fazer um mix com expressões inglesas, alright? Garanto para vocês: o show será o must. Seus ouvintes o aplaudirão de pé. Os que ousarem ilustrar suas falar com expressões latinas, então, nem queiram saber. No mínimo serão venerados e joelhos ad aeternum. Habemus Papa!
Sei lá... A cultura hoje em dia anda tão manca, coitada. Primeiramente no universo escrito. É cada vez maior o número de autores que escreveram sobre livros que não leram, já repararam? Pode parecer estranho, digo, até um paradoxo à primeira vista, mas com o tempo agente se acostuma. Afina, há tempo nos acostumamos com aquele programa televisivo mostrando-nos apenas um lado da moeda. Incrível! Contudo, para muitos isso será uma enorme revelação. É assustador constatar como povo-massa-de-manobra acredita piamente nas promessas quixotescas e colossais de certos políticos em vésperas de eleição, bem como em recorrentes barafundas midiáticas. Por que iríamos, então, desconfiar que alguém nos transmitiria alguma mentira, balela? Impossível! Jornalistas, escritores, advogados, professores, analisas políticos, enfim, todo o corpo profissional que lida com a formação de opinião, em tese, teria um compromisso a zelar com a suposta verdade. Jamais colocaria a sua reputação em xeque.
De fato, se estivéssemos num país ideal, o cenário acima seria alarmante, provocaria repulsa até no mais incauto dos cidadãos. Imaginem uma emissora e TV, por exemplo, compactuar com falsos seqüestradores para gravar um entrevista? Lógico, tudo pelo status, ops!, pelo Ibope. Por conta do embate pela audiência, parcela da mídia abandonou os seus princípios, se assim podemos colocar, faz tempo. Não é de hoje que canais praticamente monopolizadores utilizam de sua força e abrangência para alavancar a vida de políticos, ou, por que não, "dar uma mãozinha" para"elegê-los"? Afinal, ninguém vai perceber, mesmo. E, se percebe, ficará calado ou, no máximo , enviará o seu descontentamento para um veículo de comunicação qualquer e pronto. É mais um para importunar, "que não tem o que fazer". Haja mordaça!
Não acreditem nesse ser polêmico que aqui escreve. Ou acreditem, e passem a encaram a realidade com olhos e ouvidos de quem, com efeito, os têm.
É fácil, gostosa até, a sensação de comodismo. Chega a ser, confesso, prazerosa tal situação. Pra quê se dar ao trabalho de correr atrás, perquirir os fatos e contrastar as falsas e furadas versões apresentadas de bandeja para nós? Ah, como é confortável chegarmos em casa, após um dia exaustivo de trabalho, apertar o botão do controle remoto e do computador (como naquelas máquinas de salgadinhos e refrigerantes) e sermos metralhados por notícias tão bem arquitetadas, tão bem enlatadas! Algumas, inclusive, apelando para o lado emocional, provocam a indignação de seus destinatários. Tal modalidade é recorrentemente utilizada com maestria para casos de comoção popular, na qual o indivíduo é conduzido mansamente pelo caminho mais cômodo ao sabor da ocasião.
Como afirmo, estamos acostumados com a domesticação barata. Por isso, não discordo quando estou numa roda de discussão. Fica tão agradável concordar com o meu debatedor. Evito entrar em conflitos. Dá um trabalho danado. Quem faz isso passa a ser visto como chato de galocha, um mala sem alça, sempre querendo polemizar, encontrar "pêlo em ovo" e por aí vai. (mas e se tiver, mesmo, um pêlo no ovo? Cale a boca!) Logo, prefiro aceitar com subserviência a opinião do outro, elogiando as observações extremamente pertinentes e atentas da parte contrária. O clima fica mais leve, ameno e harmônico. Tudo parecem flores. Os pássaros cantam tranqüilos. O verde das árvores fica mais alegre... E assim me torno mais alienado. Viva a manipulação! Salve o pão e circo!
O que não me mata
Eu transformo em poesia
/Náusea - Lestics